Jesse e Shurastey: reflexões sobre essa história inspiradora

História de Jesse e Shurastey

Numa segunda-feira dia 23 de maio último, Jesse Kozechen, de 29 anos, e seu cachorro Shurastey, um Golden Retriever de seis anos envolveram-se em um acidente no Fusca 1978 em que viajavam, de Balneário Camboriú (SC) para o Alasca. Ambos morreram. Eles estavam no estado de Oregon, EUA.

O Fusca 1.300, chamado de “Dodongo” já percorrera com a dupla mais de 85.000 km, nos últimos cinco anos, passando por outros 16 países, além do Brasil. O Projeto chamava-se “Shurastey or Shuraigow” homenagem ao cachorro, e uma óbvia menção à música “Should I Stay or Should I Go” do grupo inglês de Punk Rock, das décadas de 70 e 80, The Clash.

No dia de sua morte, Jesse tinha mais de 450 mil seguidores em seu Instagram, além de outras redes sociais. Desnecessário dizer que o mundo caravanista comoveu-se e sentiu a partida dele, que muito inspirou milhares de viajantes.

Jesse e Shurastey em podcast

Mas além da inspiração eles nos deixaram pelo menos duas reflexões importantes. A primeira, sobre redes sociais. E a segunda sobre carros antigos.

Após a morte da dupla, o Instagram foi inundado de postagens que “homenageavam” Jesse e seu cachorro. Entretanto – e você ainda pode fazer esse exercício se percorrer a rede social hoje – muitas delas visavam única e tão somente a autopromoção, a lacração, ganhar likes e views, sem a menor preocupação com o respeito e com o fato em si. Fãs homenagearam com sinceridade, alguns até com certo exagero, explicado pela psicologia como uma maneira de fazer parte/continuar fazendo parte de uma vida que não tinham mas gostariam de ter. 

Alguns perfis, entretanto, de pseudo criadores de conteúdo chegaram a postar mais de cinco vezes seguidas, fotos do próprio perfil de Jesse, com frases piegas coladas por cima, numa tentativa óbvia de faturar os famigerados likes e aumentar seguidores. Uma empresa teve a desfaçatez de colocar seu logo sobre um vídeo de Jesse. Dois dias depois da morte deles, os 450 mil inscritos haviam se tornado 1,5 milhão. Por quê?

Nesse furacão de absurdos, fica outra pergunta: que sociedade é essa? O que aconteceu conosco, que entre telas de celular e vaidades pessoais, simplesmente passamos por cima de momentos trágicos pela vontade de uma conquista fútil? Será que um perfil de Instagram é mais importante que a vida? Ou que o respeito por ela? Ou será que não sabemos mais expressar nossa dor sem deixar que nossa vaidade passe por cima de tudo?

Jesse e Shurastey na estrada

A segunda reflexão fica por conta do acidente em si. E deixo claro em primeiro lugar, que não é uma crítica a Jesse, mas como falei no início, uma reflexão que deve ser feita. Muitas pessoas têm visto vídeos no Youtube e se inspirado em projetos no Instagram onde viajantes se utilizam de Fuscas, Kombis, Fiats 147 e mesmo trailers antigos, entre outros, para fazerem viagens. Mas o que é preciso alertar, é que veículos da década de 80, 70 e até anteriores não tem a segurança que um carro moderno possui. A ideia de que uma lataria grossa seria mais protetora que os atuais materiais altamente deformáveis está errada. Isso sem contar com o sistema de freio e tantos componentes já antiquados e que muitas vezes têm sua manutenção sonegada. Um freio ABS pode salvar vidas, assim como um air bag, uma célula de sobrevivência onde ficam as pessoas rodeadas por materiais que, propositalmente, se desmancham ao absorver o impacto numa batida, a chamada carroceria com deformação programada. Tudo fruto do desenvolvimento da tecnologia e do trabalho de engenheiros e da indústria automobilística. 

Se pensarmos na conexão da primeira e da segunda reflexão, podemos concluir que na tentativa de viver a vida dos outros a qualquer custo e sem maiores informações ou mesmo sem os recursos financeiros necessários, algumas pessoas podem se expor a riscos graves. Mais uma vez, não era esse o caso de Jesse. Suas aventuras inspiram pessoas a irem mais longe. Mas se ele pudesse falar, arrisco dizer que provavelmente nos diria que é preciso ser prudente, planejar e ir com calma para conquistar seus sonhos. Afinal, quem quer viajar pelo mundo não pode ter pressa…

Jesse e Shurastey no fusca

Ricardo Amatucci é jornalista, caravanista e CEO do Clube Irmãos da Estrada

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